31/08/2012

Garimpeiros ilegais arriscam a vida explorando minas desativadas na África do Sul


É uma pequena fábrica a céu aberto, que não se consegue ver a partir da estrada. Deve-se penetrar em Thabong, município de Welkom, situado a quase três horas de carro ao sul de Johannesburgo, para descobrir no G-Hostel uma antiga cidade-dormitório mineradora, um aglutinamento de dezenas de mãos ocupadas em transformar rocha em ouro.
Por trás da aparente desordem se esconde uma linha de produção bem afinada. Primeiro é preciso esquentar o bloco mineral retirado das entranhas da terra. Depois, reduzi-lo a pó com ajuda de uma barra de ferro fundido, cujos golpes ressoam no pátio. Em seguida, separar as partículas do resto da rocha com ajuda de um cilindro cheio de água fria e de mercúrio, girado a manivela. Por fim, passadas três horas, aparece em um pano úmido um amálgama do precioso metal.
“Para obter um grama de ouro, é preciso trabalhar pelo menos um quilo de rocha, é um trabalho muito cansativo”, conta um dos homens. Originário do vizinho Lesoto, ele vive em Thabong há cinco anos. “Não gosto de fazer coisas ilegais, mas não tenho escolha, tenho mulher e três filhos para alimentar, também preciso ajudar meus dois irmãos”, explica esse minerador que prefere não revelar seu nome. “Chame-me de David.” Ele também é chamado de zama-zama (“aquele que aproveita sua chance”, em zulu) nas minas de ouro abandonadas da África do Sul. Três vezes por ano, ele desce sozinho a dois, três, quatro quilômetros de profundidade, durante duas a seis semanas “somente”. Mas outros mineiros ilegais como ele às vezes permanecem vários meses sem ver a luz do dia. “Eu trabalho quatro horas, depois durmo cinco horas e assim por diante”, ele conta. “Há pouco oxigênio ali, falta água para conter a poeira, faz quase 40 graus...” Os olhares de seus colegas são insistentes. David interrompe a conversa e se afasta. À visão de um intruso, muitos zama zama se mostram hostis ou desaparecem.
Além disso, a sequência da cadeia de produção se dá longe dos olhares curiosos. Em casas próximas, os amálgamas, uma vez pesados, passam de mão em mão. O grama é vendido a 20-25 euros. Quem são os compradores? Sul-africanos, estrangeiros, zimbabuanos, entre outros, responsáveis por redes mafiosas que se encarregarão de tirar esse ouro do país, que depois é revendido e “lavado” em negócios legais.
No entanto, essa fortuna são somente os resquícios de um século de exploração intensiva do rico subsolo sul-africano. Em 1970, a principal potência econômica do continente fornecia 70% da demanda mundial de ouro. Quarenta anos mais tarde, somente 20%. Esse declínio logicamente veio acompanhado de demissões em massa nessa região de Welkom, ex-vitrine do poder de Ernest Oppenheimer, o magnata da mineração sul-africano, fundador da Anglo American.
Hoje, são esses desempregados, especialistas no esburacado subterrâneo sul-africano, que estão voltando regularmente às profundezes para extrair seu ganha-pão sob essa terra vermelho-sangue. Quantos deles seriam a circular nessas centenas de quilômetros de galerias que não são mais rentáveis o suficiente para as empresas? Milhares? Dezenas de milhares?
Longe do G-Hostel, Terrence (o nome foi mudado), minerador legal de 1986 a 2000, tira seu celular do bolso. Nas fotos que ele mostra, um tanto orgulhoso, ele aparece de camiseta e short fazendo pose em uma galeria onde mal se consegue ficar em pé. “São lembranças para meus dois filhos.” No entanto, em 2008, esse pai de 42 anos quase não voltou mais. Ele permaneceu sob a terra durante seis meses com cinco colegas, e durante quatro dias ficaram sem água, sem comida e sem luz. “Um rapaz nos guiava com a chama de seu isqueiro, nos perdemos, gritávamos, eu pensei muito na minha família.” Por fim, um mineiro legal que trabalhava nas proximidades os ouviu e os socorreu.
Outros zama zama não tiveram essa sorte. Em 2009, 86 mineradores ilegais perderam a vida inalando um gás letal em Welkom, em uma galeria que não tinha mais proteção por ter sido desativada. No início de março, a leste de Johannesburgo, cerca de vinte homens foram esmagados pelo desabamento de uma rocha de 40 metros por 30. “A maioria dos acidentes não são conhecidos, por não serem relatados”, garante um especialista. Para não morrer, é preciso também obedecer aos códigos da vida subterrânea impostos por facções mafiosas. “Elas estão em constante disputa pelo controle do maior número possível de territórios, os acertos de contas são feitos com AK-47”, explica esse mesmo especialista. Terrence conhece as regras: “Se você quebra a lei interna, você é morto, espancado ou entregue à polícia lá em cima.” Debaixo da terra, é possível se comprar de tudo, mas a preço de ouro. Um pacote de pão de forma? 10 euros. Uma lanterna? 100 euros. Um maço de 20 cigarros? 30 euros. Resultado: a produtividade não pode diminuir. “Eu tiro 10 gramas por dia, portanto 350 euros, mas tenho 200 euros de gastos”, calcula esse minerador. “Também preciso dar regularmente 500 euros a um colega que vende meu ouro na superfície e que me traz dinheiro vivo para aguentar o tranco.”
Em vez de se arriscar descendo com cordas em poços desativados, alguns zama zama preferem passar pelas entradas das minas ainda em atividade. “A descida e a subida com as gaiolas de ferro custam 2 mil euros”, afirma um deles. As galerias ainda exploradas são ligadas às desativadas.
Nos últimos meses, a empresa Harmony Gold, que explora a maioria das minas da região, reforçou sua vigilância. Acusados de aceitar propina, dezenas de empregados foram suspensos. Controles biométricos com impressões digitais foram instaurados. Em julho, o presidente da empresa anunciava que também era proibido que mineradores levassem comida consigo para debaixo da terra. O motivo disso seria evitar a revenda aos zama zama.
Guardas de segurança também fazem rondas perto das entradas dos poços inutilizados. Nesse dia, dois mineradores ilegais acabavam de ser pegos. “Não os prendemos, pois há tantos deles”, reconhece o guarda, suado após ter corrido pelo campo. “Mas como poderíamos fazer isso? Somos somente 19 guardas para 21 poços e, considerando as somas em jogo, não é difícil corromper alguns de meus colegas.” Ao seu lado, um outro vigia mostra em seu celular uma foto dele em um leito de hospital: “Há um ano e meio, me vi sozinho diante de 40 zama zama, eles me apedrejaram, levei 44 pontos de sutura na cabeça...”
A cada duas semanas, dezenas de policiais fazem batidas no G-Hostel. Durante duas horas, as casas são vasculhadas, o material de garimpo é confiscado, e 200 a 300 pessoas são presas, sobretudo estrangeiros ilegais no país. Dois dias mais tarde, eles muitas vezes são soltos. Por trás do discurso oficial – “estamos vencendo a batalha” - , o capitão Stephen Thakeng, porta-voz da polícia de Welkom, reconhece: “Nós conduzimos essas ações para minimizar o impacto dos mineradores ilegais”.
“São necessárias penas de prisão muito mais pesadas”, reclama, irritado, um diretor de uma companhia mineradora. “Grupos armados também deveriam descer para combater essas gangues!” Diante dessa impaciência, a polícia sul-africana apresentou sua “Operação Mercury”. No dia 30 de março, dois sul-africanos e três zimbabuanos, suspeitos de estarem à frente de redes mafiosas, foram presos após cinco meses de investigação. No Dia D, agentes se fizeram passar por vendedores de ouro. Mas um investigador reconhece o tamanho da tarefa: “Precisamos de tempo e de meios: somos somente quatro trabalhando na região com essa questão”. Chefes mafiosos também teriam cumplicidade dentro da própria polícia, que os avisaria em caso de prisão iminente.
Porém, o Ministério dos Recursos Naturais sul-africano tem mostrado determinação em acabar com esse tráfico. “Precisamos erradicar esse problema que prejudica nossa economia, eliminando esses gangsteres e deixando de ser tolerantes com os zama zama”, conta uma fonte do governo. A ministra Susan Shabangu tem incentivado as companhias mineradoras a bloquear a entrada de seus poços desativados. Mas na região mineradora de Brakpan, leste de Johannesburgo, mais da metade de uma centena de poços teve de ser fechada duas vezes desde o final de 2011: “Nove deles foram fechados dez vezes cada um, pois os zama zama conseguiam fazer uma nova abertura toda vez!”, se revolta um diretor da companhia mineradora em questão, que lembra o montante da conta: mais de 200 mil euros. “Estão roubando nosso ouro, quase 10 milhões de euros por mês, e além disso precisamos pagar todos os custos”, ele diz, exigindo um apoio do Estado para financiar lajes de concreto. “Vamos repassar esse pedido, mas são poucas as chances de que resulte em algo”, admitia a fonte ministerial.
A ministra Susan Shabangu, que em meados de agosto visitou poços desativados perto de Brakpan, se encontrou cara a cara com trinta zama zamas a pé. Estes não haviam conseguido descer por um poço, pois a entrada dessa vez havia sido lacrada solidamente. “O que vocês estão fazendo não é bom e é perigoso, vocês podem morrer”, ela lhes falou. “Então me dê um trabalho”, respondeu um deles. Ele deixou seu número de telefone. “Ela disse que me ligaria”, ele contou depois, “mas não acredito nisso. Então, se aqui for fechado, irei para outra mina”.


Tradutor: Lana Lim
Reportagem de Sébastien Hervie
fonte:http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2012/08/31/garimpeiros-ilegais-arriscam-a-vida-explorando-minas-desativadas-na-africa-do-sul.htm
foto:exame.abril.com.br

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