28/04/2015

A arte de passar horas em filas na Venezuela

A Venezuela enfrenta a falta de muitos produtos básicos. O governo culpa os Estados Unidos e a Europa, afirmando que eles tentam destruir a economia do país.Outros afirmam que o governo é o causador dos problemas. O correspondente da BBC Ian Pannell tenta desvendar como é a nova e surreal arte de ficar nas filas da capital, Caracas.

O mínimo que se espera de um correspondente em outro país é que ele ou ela consiga explicar a realidade de onde está. Na Venezuela isto pode ser mais difícil do que o normal.
A República Bolivariana da Venezuela tem um governo socialista que, em linhas gerais, usou - ou fez mau uso - das grandes riquezas petrolíferas para beneficiar algumas pessoas, durante algum tempo, e se manter no poder.
Mas, a combinação de um gerenciamento econômico lamentável e uma grande queda nos preços do petróleo deixou o governo com um problema sério. E a população da Venezuela acabou em filas, em todo o país, todos os dias, durante horas.
As pessoas até têm licenças de algumas horas no trabalho para poder ficar nas filas. Elas acordam muito cedo para enfrentar a maratona, enfrentam filas no horário de almoço, enviam mensagens umas para as outras com informações sobre as filas.
Então, não surpreende que elas tenham ficado muito boas na prática da fila.
Sendo inglês, gosto de uma boa fila – bem formada, em ordem, sem dúvidas sobre quem está na sua frente e quem está atrás.
Há muitos países que não respeitam estas boas e antigas tradições e preferem o sistema do "primeiro que passar", o que envolve empurrões e grunhidos.
Mas, em geral, a Venezuela é mais parecida com a Grã-Bretanha no que diz respeito a filas. A diferença é que, na Venezuela, eles não estão esperando por um ônibus: a espera é por leite, café, açúcar, farinha de milho, óleo de cozinha e até papel higiênico.
Todos estes produtos estão em falta.

Preços controlados

O governo regula o preço destas mercadorias. Não há subsídios para elas, o governo apenas diz aos produtores o que eles podem cobrar.
Isto pode fazer algum sentido em uma economia dinâmica, mas com a inflação ultrapassando os 60% e o valor da moeda local caindo, parece que os produtores não estão lucrando mas também operando com prejuízo.
Por outro lado, empresas que exportam alimentos para o país desistiram de esperar os pagamentos do governo e agora estão vendendo seus produtos em outro lugar.
Mas o governo e seus partidários contam outra história. Eles culpam os Estados Unidos, Europa, grandes companhias e contrabandistas por uma guerra econômica contra o país, de tentar prejudicar o presidente Nicolás Maduro e o legado de seu antecessor, Hugo Chávez, de tentar colocar o povo contra o governo.
O governo pediu para os comerciantes esconderem as filas, colocar as pessoas em porões ou estacionamentos subterrâneos, aparentemente para proteger os clientes do sol. Jornalistas são proibidos de filmar prateleiras vazias.
Os consumidores também receberam instruções: você pode comprar produtos em falta apenas em alguns dias da semana, dependendo do número final de seu documento de identidade.
Então, por exemplo, se o número de sua carteira de identidade acaba em zero ou um, então você pode ir para a fila na segunda-feira. Mas, isto não significa necessariamente que o leite ou o sabão estarão disponíveis na segunda-feira para você comprar.
Outra anomalia é que, frequentemente, as prateleiras não estão vazias. Apenas as mercadorias com preços regulados estão em falta. Então, se você quer outra coisa, e tem dinheiro para estes produtos com preços bem mais altos, então é possível ultrapassar a fila e entrar diretamente na loja.
Frequentemente as pessoas vão para a fila sem saber o que está à venda. Elas entram na fila e então perguntam para pessoa logo em frente o que está disponível.
É muito provável que a pessoa logo em frente tenha feito exatamente a mesma coisa.

Desistências

Vimos uma fila que avançava apenas porque as pessoas na frente desistiam da espera e iam procurar produtos em outros lugares. Mas, para quem estava mais atrás, não era possível ver isso, elas apenas tinham a ilusão do movimento e ficavam um pouco mais.
Nesta ocasião não havia nada para esperar. Havia um boato de que a loja poderia receber algo, ninguém sabia o quê, mas no final não havia produto nenhum.
E assim a vida continua. É um símbolo surreal de um sistema que não funciona e não faz sentido.
A frustração aumenta e, em algumas situações, tudo acaba em tumulto. Alguns consumidores até tiveram as compras roubadas enquanto iam para casa.
Se os consumidores continuarem acreditando nos motivos do governo, de que esta crise é causada pelos inimigos da Venezuela, então talvez o governo consiga contornar a insatisfação cada vez maior.
Mas, muitos venezuelanos não querem mais comprar esta ideia.

fonte:http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/04/150426_filas_venezuela_fn#orb-banner
foto:http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/socialismo/venezuela-filas-enormes-para-obter-comida-e-braco-marcado-feito-gado/

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