Para a 21ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, que
aconteceu ontem (18), o Uber contratou um trio elétrico para a cantora Anitta se apresentar. Não há dúvias de que a empresa, que nas
últimas semanas teve seu nome estampado em notícias envolvendo casos de assédio sexual,
sexismo e bullying, terminando com o afastamento por tempo indeterminado do seu
presidente, Travis Kalanick, tenta melhorar a sua imagem se ligando a causas de
grande engajamento. Em outro trio, a cantora Daniela Mercury se apresentará
patrocinada pela Skol. A marca de cerveja da Ambev, que no início deste ano fez
uma campanha para tirar de bares os seus próprios cartazes com
publicidade machista, também lançará uma edição especial de lata para a Parada Gay
deste ano.
Nos últimos anos é
visível o movimento das marcas para atrair a atenção e a simpatia do público
gay. Em 2015, a Tiffany, a grife de joias mais famosa do mundo, fez um anúncio
de alianças com um casal de homens. Em quase 180 anos de história, aquela foi a
primeira vez que a empresa dirigiu-se aos consumidores homossexuais. Naquele
mesmo ano aqui no Brasil, o Boticário veiculou um anúncio para o dia dos namorados com casais gays trocando presentes. E teve de enfrentar,
por parte de grupos homofóbicos, uma enxurrada de críticas, boicotes e até um processo movido no Conselho
Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) por suposto “desrespeito à
família brasileira”. Acabou sendo absolvida no Conar e ainda levando o prêmio
máximo no Effie Awards Brasil 2015, premiação do mercado publicitário.
Neste ano, a Natura,
Renner e Vick, foram algumas das marcas que apostaram na diversidade nas
propagandas do Dia dos Namorados. Ao que parece, a publicidade
abriu uma porta importante para a igualdade. E esse caminho não deve ter volta.
O chamado pink money, ou o
poder de compra da comunidade LGBT, não pode ser desprezado mais pelo mercado.
Mas da porta para dentro, o que as empresas estão fazendo, de fato, para se
tornarem diversas?
Reinaldo Bulgarelli,
professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e sócio da Txai Consultoria,
que trabalha o tema da diversidade com as empresas, diz que de fato, sozinha, a
publicidade não será capaz de mudar a realidade corporativa para os
profissionais LGBT. Mas já é um primeiro passo. “Pode ser uma porta de entrada
para você estabelecer uma conexão com o tema”, diz. “A mensagem pode ser algo
como ‘já que você deu este passo da propaganda querendo o nosso dinheiro, venha
com a gente para ajudar a mudar esta realidade”.
Pensando em convocar as
empresas para a empreitada, foi criado, em 2013, o Fórum Empresas e Direitos LGBT, do
qual Bulgarelli é secretário-executivo. A ideia é que as companhias se
comprometam com uma carta de 10 compromissos elaborados pela entidade. Dentre
eles estão sensibilizar e educar para o respeito aos direitos LGBT, e promover
e apoiar ações em prol dos direitos LGBT na comunidade.
O Fórum parte do
pressuposto de que não faz sentido criar somente programas internos de inclusão
e diversidade. É preciso ultrapassar os muros da empresa e levar essas
políticas para fora. “O principal do fórum é não olhar só para dentro, mas ajudar
o empresariado brasileiro a elevar o patamar a favor dos direitos LGBT”,
explica Bulgarelli. "Muitas empresas têm práticas internas incríveis, mas
não vem para o fórum. Lembra da história da lâmpada na Paulista? [em 2010, um
jovem gay foi agredido com uma lâmpada fluorescente na avenida Paulista por
cinco garotos] Então, a empresa está cuidando do ambiente interno e isso é
muito legal, mas enquanto isso, o colaborador dela está apanhando na
Paulista. É disso que se trata”, explica.
Um dado que exemplifica
bem que a cultura em prol da diversidade ainda tem de dar muitos passos no meio
corporativo no Brasil é a quantidade de companhias brasileiras que participam
do fórum: de um total de 38, apenas quatro são nacionais. Bulgarelli explica
que no universo empresarial ainda existe um medo de se posicionar. “O mundo
brasileiro é meio alheio a discussões globais”, diz. “E o Brasil é um país
muito violento de forma geral”. Ele conta que já ouviu de empresários que
preferem “perder dinheiro” a se posicionar.
Uma ponte para o trabalho de transexuais
Uma faceta da questão
que envolve as empresas da porta para dentro é a empregabilidade. Se para
profissionais gays nem sempre é fácil encontrar e se manter em um emprego, para
o público transexual é ainda mais difícil. “Mil vezes mais”, diz a transexual Michelly
Carvalho, 32. Ela conta que nunca teve sua carteira de trabalho assinada,
porque não consegue emprego no mercado formal em decorrência do preconceito.
“Eu não consigo esconder que sou travesti”, diz. “Um homem gay, por exemplo,
consegue”.
O currículo de Michelly,
assim como o de centenas de outras transexuais, faz parte do banco de
currículos do programa Transempregos. Lançado em 2014, o projeto busca conectar
as empresas aos profissionais transexuais desempregados. Maite Schneider, uma
das criadoras da plataforma, explica que para a transexual existe não só a
dificuldade de se inserir no mercado de trabalho, como também de encontrar um
emprego nos cargos desejados, por isso muitas acabam tendo que se contentar com
subempregos. “Sentimos a necessidade de trabalhar com a sensibilização das
empresas”, diz ela. Por isso, as criadoras do projeto percorrem diversas
companhias apresentando o projeto, para que isso facilite a entrada das
transexuais na hora de pleitear uma vaga.
De acordo com Maite, a
aceitação do público trans ainda é restrita às multinacionais. “Por enquanto,
apenas as multinacionais acabam participando”. Para ela, as empresas
brasileiras ainda precisam desenvolver a cultura da diversidade.
Enquanto Michelly ainda
está buscando um emprego, Karen Marques, 52, conta que o Transempregos já a
ajudou a encontrar um trabalho. “Quando fui procurar emprego no Carrefour, eles
já conheciam o projeto, e isso facilitou muito para mim”, diz. Durante os nove
meses que ficou desempregada, ela afirma que primeiro tentou buscar uma vaga na
área que tinha experiência - em papelarias e copiadoras. Mas como esse nicho é
feito de estabelecimentos muito pequenos, ninguém a empregava, pois ainda falta
a cultura de inclusão mencionada por Maite. Hoje, como operadora de caixa, ela
pretende chegar à gerência. “Sou muito respeitada. Meu nome social está no meu
crachá e eu uso o banheiro e o vestiário feminino desde o primeiro dia”.
Reportagem de Marina Rossi
foto:http://www.buenasdicas.com/onde-se-hospedar-parada-gay-hoteis-ficar-3466/
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